(d)escrever o indescritível
Quando regressei de Itália, todos me perguntavam avidamente: “Então como foi? Conta lá!”. Raramente compreendiam o meu sorriso tímido acompanhado do breve comentário “foi espectacular”. Talvez devesse ter dito “foi indescritível”. Não me sinto capaz de descrever a minha experiência Erasmus, porque nem sempre as palavras abrangem a vida. Abrangem quando muito pequenos momentos. Como este…
Fazia um frio mórbido quando saí de casa nessa tarde. A manhã tinha sido passada a dormir, depois de mais uma noite de confraternização em várias línguas. O céu de uma palidez que ameaça neve contrastava com as cores da famosa Ponte Vecchio. Todos os dias olhava a ponte, porque todos os dias me parecia diferente. Como se um pintor ali chegasse de madrugada, com a cidade ainda a dormir, e, pegando na sua paleta de cores, criasse uma nova realidade.
Faltavam dois dias para me ir embora. Tinha decidido ir a uma livraria no centro de Florença para comprar um livro em italiano, para ler quando Portugal me fizesse esquecer os sons aprendidos. Cada passo que dava tornava-se mais pesado, à medida que tomava consciência da duplicidade do tempo: ora me parecia breve o tempo ali vivido, ora longo como o tempo de uma vida. Enveredei por aquelas ruas estreitas, onde a cada esquina éramos surpreendidos por um “palazzo” ou uma igreja que até ali tinham escapado à instantaneidade do olhar. Queria reter tudo, guardar tudo numa memória que sempre será fugaz. Queria fotografar com a mente as ruas, os cafés, os mercadinhos como o de San Lorenzo, que exibem as únicas coisas que o viajante pode levar da bela Florença, convencido de que assim leva um pedacinho da cidade. Mas não leva, porque ninguém gosta de cidades aos pedaços.
Olhei a estação de Santa Maria Novella, pensando que não faltava muito para embarcar outra vez numa viagem, só que desta vez de regresso a casa. Os carris estremecem com a chegada do “treno”, que parte dali para o mundo em forma de bota que eu conheci, transpondo as fronteiras a que estava habituada. Fazer Erasmus possibilita a muitas pessoas boas experiências, a algumas proporciona más. A mim possibilitou-me a estranheza de (vi)ver para além dos meus próprios limites.
* crónica publicada no Jornal Universitário A Cabra, de 18 de Abril de 2006
2 Comments:
Estava há pouco a teu lado e ia falar-te desta crónica (mesmo antes de saber que a tinhas colocado aqui).
Queria dizer-te que gostei muito da forma como (d)escreveste o que passaste/ sentiste.
=)
Bjinhu gand linda!***
10:41 da tarde
tu sabes u knt adorei este texto! (especialmnt aquele pedacinho do penultimo paragrafo.. ;P )
GMT******
12:11 da tarde
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